domingo, 1 de julho de 2007

UMA CASA «À PORTUGUESA» COM CERTEZA


Um texto do sociólogo e professor universitario Moises Espirito Santo, publicado no Jornal de Leiria, na edição de 14/672007. Achei por bem trazer este tema ao Gentes e Frentes. Informo que o mesmo artigou gerou polemica, na edição seguinte, do mesmo jornal, devido à sua pertinência e extrema actualidade mas também porque exprime um modo de ser bem português.

"Há muito para dizer sobre o tema. Comecemos por isto: o Banco Europeu faz subir as taxas de juro que vão atingir a habitação dos portugueses. Muitos deles terão de se desfazer da casa que compraram a crédito porque a Banca não perdoa. Pensaram, ingenuamente, que a vida ia de vento em poupa e empenharam-se na compra duma habitação caríssima. Como em todos os países modernos? Falso. Estamos perante um problema económico que é um efeito da cultura (entendida como «o modo de pensar e de agir») porque tudo é regido pela cultura, incluindo a economia. Nesta concepção de «casa», um valor da cultura tradicional persistente faz estragos na modernidade. Nestes últimos 50 anos, cultura portuguesa mudou menos do que se pensa: melhoraram-se os consumos, os hábitos e as tecnologias, mas o essencial continua.

O facto é que os portugueses pressupõem que, na modernidade, a regra é a compra da habitação. Ora, esta era uma regra da ruralidade. Na cultura rural (sejam quais forem as sociedades), o princípio é que cada agricultor ou aldeão tenha a «sua casa» integrada nos seus campos. A habitação da família era o seu berço, a sua raiz na terra, a sua marca no solo, a sua presença na paisagem, a condição para a parceria aldeã, a prova da existência, a estabilidade (ou fixidez) social e a sua câmara mortuária.
Contrariamente a isto, o princípio das culturas urbanas é o da casa arrendada. Na Europa, para o comum das pessoas, por «viver na cidade» entende-se que é em casa arrendada. Esta diferença marca duas culturas. Só a casa arrendada se coaduna com a premente mobilidade social ascendente ou descendente (subir ou descer no estatuto social) e com a mobilidade geográfica (necessidade de mudar de residência: se se perder o trabalho num sítio procura-se trabalho e casa noutro; alargando-se a família arranja-se casa maior; separado o casal, cada qual procura outro domicílio, etc.). Com o mínimo de traumas.
Nenhum estado moderno tem interesse em fixar os habitantes a um sítio. Muito menos concede benefícios fiscais à compra de casa. Á economia (capitalista ou socialista) convém sobretudo (é uma condição sine qua non) a mobilidade dos trabalhadores, a sua deslocação para onde há trabalho ou para desenvolver as regiões deprimidas. Só este exemplo: em 1988, no município de Paris (7 milhões de habitantes) o sistema de «casa própria» não ultrapassava os 28% das habitações familiares.Esta diferença bastaria para ilustrar o fosso cultural existente entre nós e os outros europeus. As concepções rurais, específicas das aldeias, passaram-se para as cidades.
Chamamos a isso rurbanização, quer dizer, transferência da ruralidade para a civilização urbana. A «casa própria» é um atavismo rural que persiste sob a capa da modernidade. É por isso que o País se vai tornando num imenso subúrbio, nem rural nem urbano, rurbano, sem áreas desafogadas para empreendimentos que exijam largos espaços, um país atravancado com casas, e com cada vez menos qualidade ambiental. O atavismo cobriu todo o território e compromete irremediavelmente o futuro - um enorme desperdício macro-económico. A paisagem do Litoral já é tão só uma teia de casas. É claro que os lucros fabulosos da Banca portuguesa se devem a este resquício rural da «casa própria»".

3 comentários:

A. João Soares disse...

Este é um problema real que merece ser pensado. Com as mudanças de trabalho, sai o aumento das despesas de transporte, ou, se for para longe, o arrendamento de outra casa. Com as mudanças de rendimento ou de despesas (saúde, acidente, etc) vem a dificuldade de cumprir o compromisso com o banco.
Realmente o arrendamento traz vantagens de vária ordem, mas as pessoas gostam de ser proprietárias, ao estilo rural dos antepassados. As mudanças culturais (modo de pensar e de agir) nem sempre são orientadas no melhor sentido.
Abraço

António Inglês disse...

Meus caros

Não estou muito de acordo com estes conceitos que são expressos neste artigo.
Em primeiro lugar porque os portugueses não pressupõem, os portugueses apenas respondem a uma politica de investimento que lhe foi imposta por uma sociedade consumista e capitalista.
A oferta de empréstimos para tudo e para nada, criou efectivamente na mente de todos que a vida pode ser encarada de forma mais facilitada.
Na maioria dos casos, ninguém se preocupou com o endividamento das famílias porque isso foi coisa que não interessou aos grandes interesses de quem gere na sombra os destinos do País: a banca.
Por alguma razão são os bancos as empresas que apresentam maiores lucros...
Para além disso, pessoalmente acho que o direito a habitação própria é um direito que nos assiste a todos e se nos dão ou deram condições para isso, porque não?
Também não estou de acordo com a teoria de que nos grandes centros habitacionais deveriam ser os arrendamentos a prevalecer sobre a aquisição, porque bastará olhar para os custos desses mesmos arrendamentos para se perceber que ficará mais económico a um casal jovem o recurso ao crédito, no que à sua mensalidade diz respeito.
O conceito de investimento para aluguer, hoje em dia está um pouco em decadência, provavelmente por não existirem condições favoráveis a esse investimento.
Os portugueses respondem apenas à condições que lhe vão sendo impostas pelas regras do mercado e fazem-no procurando a melhor solução para os seus casos.
Não afirmo que hoje em dia não continuem a existir arrendamentos nas grandes cidades porque seria mentir, só que os arrendamentos dentro das cidades são acessíveis a muito poucos e os que podem ser suportados pela maioria dos trabalhadores acabam por ser nas periferias dos grandes centros.
Depois acrescem os custos dos transportes, as bichas intermináveis nos transportes públicos para chegar a casa ou ao emprego, as horas tardias a que se chega a casa depois de um dia de trabalho, com a tarefa de casa para fazer e os filhos para tratar.
Nem sempre os conceitos se aplicam na prática do dia a dia.
Mas esta é apenas a minha modesta opinião.
José Gonçalves

Paulo disse...

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