terça-feira, 5 de junho de 2007

A LENDA DO LAGO

A LENDA DO LAGO

N’aquela tarde calma. Fora a pesca abundante,
Sant’António do seu nicho, assiste vigilante
À faina. Os pescadores largam já d’amarra
E, como o mar manso,lá vão de proa à barra
Alegremente em fila, o porto demandando.
O leme vai na orça, velozes vão passando
Na linha da “ carreira “. Em frente da capela;
O Santo vai contando, um por um, vela por vela.

O sol é posto já. Traiçoeiro a refrescar
O vento aflige o Santo e atormenta o mar.
Toldou-se o céu também, logo a terra escureceu
E no regaço o santo Jesus adormeceu.
Já nas ondas envergam os novelos d’espuma
Mas, na conta das velas, inda falta uma!
Nos lábios d’António, trémulos d’amargura
Alguma praga ao mar, entre as preces se mistura.

Um ponto branco, ao sul, lá longe entre a procela,
Traz rumo aproado, à alvura da capela.
O bom do Santo ao ver, esse asa de gaivota
Que, tão audaz procura. A linha da derrota,
Empalidece, e treme, temendo-lhe o destino.
Não se atreve porém a acordar o seu Menino.
E murmura: “Jesus, Senhor! A vaga é tão alta”
“E aquela vela é, a mais pequena que me falta”

Enquanto Dura a luta, entre o mar e a vela
António nota já, não ser deserta a capela.
Uma pobre mulher, nos degraus ajoelhada
Cinge contra o seio, uma cabecita dourada;
No seu ardente olhar e nos olhos da criança,
O ponto branco brilha, como um farol d’esperança
E o pescador afoito, aproa sempre a vela
Ao vulto da mulher, à brancura da capela

O mar redobra a fúria, é um leão rugindo
E tranquilo Jesus, no regaço vai dormindo;
Mas avistando o pano, roto já p’la rajada
A cabecita d’ouro exclama apavorada:
“Ó mãe? Ó minha mãe?”
“É o meu pai, quelá vem?!”
N’isto; o Menino acorda e mui mal humorado,
O aio santo increpa, de sobrolho carregado;
“O que foi isto António?” – “Quem foi que se atreveu?”
O Santo aponta a medo, a vela, o mar, o céu.

Nos olhos da mulher, onde a vela é agravada
Uma lágrima... Uma pérola pendurada.
Desvairado ao vê-la, implora Sant’António:
“Senhor... fazei bonança... O mar é um demónio... “
Jesus serenamente, do nicho então desceu,
Com uma mãozita em concha, a pérola colheu,
O seu rosado braço, enérgico balança
E às ondas infernais, a humilde jóia lança.

Depois... sorriu ao Santo com divino afago
E no mar, defronte da capela, fez-se um “lago”


UM PESCADOR
( O autor destes versos é desconhecido sendo atribuido a um pescador da época)

CAPELA DE SANTO ANTÓNIO – S. MARTINHO DO PORTO

A Capela de Santo António situa-se num cabeço conhecido pelo Morro de Santo António. Segundo consta, a sua origem remonta á época muçulmana, altura em que ali teria sido erigida uma pequena mesquita. Com a reconquista cristã, esta mesquita teria sido destruída e em seu lugar teria sido edificada uma capela dedicada ao Santo que lhe dá nome, que do alto de sua capelinha foi e ainda é refugio e amparo dos pescadores nas horas difíceis, embora nos dias de hoje eles sejam cada vez menos.

Escondidos no imaginário ficaram as lendas e superstições relacionadas com esta capela e com os feitos do Santo sempre pronto a proteger os pescadores que se entregaram ou entregam à sua protecção. A mais conhecida é sem dúvida a “LENDA DO LAGO”, escrita em verso, em bonitos azulejos que se encontram na frente da capela. Pena que mal tratados. Fala de um barco que entre muitos outros, saiu para a pesca num dia calmo. De repente o mar ficou embravecido e Santo António, sempre vigilante, depois de contar as velas e verificando que lhe faltava uma, tendo o menino Jesus adormecido no seu regaço, por ele chamou e este acordando transformou o mar em lago, salvando os pescadores. E assim nasceu a lenda.

12 comentários:

Maria Faia disse...

Caro Amigo,

Não conhecia esta lenda, apesar de ser de Alcobaça.
É uma lenda bonita e com magia, como, aliás, a grande maioria das lendas.
S. Martinho tem muitas histórias e património "escondido" que é preciso difundir.

Um beijo amigo para si
Alzira

Jorge P. Guedes disse...

Interessantíssima esta lenda do lago contada em verso.
Como belíssimos devem ser os azulejos que provavelmente a incúria vem maltratando.

Saudações.

papagueno disse...

Uma terra tão bela tinha que ter direito a uma lenda como esta.
Um abraço.

Ernesto Feliciano disse...

Amigo José,

É para mim um enorme prazer, como compreende, ler artigos que falam de coisas boas de S. Martinho.

Esta lenda, inscrita em paineis de azulejos na capela de Sto. António.

Urge recuperar este painel, que apresenta já alguma deteorização.

Queria pedir-lhe se posso publicar este seu artigo no meu blogue?

Um abraço.

António Inglês disse...

Cara Maria Faia

Esta lenda é realmente uma história lindissima contada em azuleijos que ao que sei, em tempos, alguém pretendeu restaurar por se encontrarem vandalizados.
Os entraves que lhes foram colocados foram tantos que desistiram.
É assim neste país, poucos fazem e a grande maioria dos outros não deixa fazer...
Grande abraço
José Gonçalves

António Inglês disse...

Meu caro J.G.

É como diz, vandalizados é o termo certo.
Infelizmente muitos ainda não perceberam o que é liberdade, educação e respeito.
Um abraço
José Gonçalves

António Inglês disse...

Meu caro papagueno

Obrigado pela sua visita.
A lenda e esta terra merecem-se realmente.
Pena que não se conheça o autor desta bela história.
Um abraço
José Gonçalves

António Inglês disse...

Caro amigo Ernesto

Sei que sabe o quanto gosto de São Martinho.
Por isso, entendi que esta terra merecia que todos ficassem a conhecer umas das mais belas histórias de SMP.
Nem precisa pedir-me autorização para publicá-la no seu blog. SIRVA-SE.
Grande abraço
José Gonçalves

ANTONIO DELGADO disse...

As lendas tal como os mitos representam sonhos colectivos e tem um fundo de caracter moral...neste caso a veneração propectora de um Santo dando o exemplo de uma suposta realidade que fez.
A lenda vai obrigar-me a ver a capelinha de Santo António com outros olhos e a visita-la muito brevemente. Já agora um desafia para o José: não quer fazer um levantamento de mais lendas de S. Marinho?

Um abraço
António

António Inglês disse...

Meu caro amigo António

Estou certo de que ganhei algo, pelo menos a sua curiosidade em vir a São Martinho ver de perto a nossa capela de Stº António.
Há-de reparar nesse dia que existe um nicho que está escondido por entre as silvas à volta da capela e que ninguem quer saber nem preservar, embora tivessemos tido há uns tempos a promessa da Câmara Municipal de Alcobaça, de que o cruzeiro, a capela e uma passagem entre eles se iria construir por forma a que aqueles dois marcos históricos ficassem com aparência digna do que representam para a Vila, obras a efectuar dentro da requalificação que esta terra sofre.
Quanto ao desafio, tentarei conhecer mais algumas lendas, embora lhe possa adiantar que a maior de todas talvez seja esta, a ver vamos mas honestamnete não tenho mesmo jeito para contador de histórias...
Um abraço
José Gonçalves

Anónimo disse...

Sabe bem ver postagens de locais e pormenores de S.Martinho, assim ajuda na divulvação da minha linda terra!!!
Obrigada!

António Inglês disse...

Carissima aramis


Somos os dois apaixonados pela beleza que São Martinho encerra.
Mais ainda quando alguém, que nunca se soube quem foi, escreveu este lindissimo poema, e o deixou imortalizado naqueles maltratados azulejos, que na capela de Stª António fazem questão de recordar as ligações fortissimas que esta terra tem com o mar.
O mar traiçoeiro, nunca deixou de provocar aqueles que o fitam, sejam ou não pescadores, marinheiros ou simples admiradores.
Existe uma inexplicável atracção entre todos nós e o mar, ele que nos tem tirado tantas vidas, mas que não deixa de lançar o convite de cada vez que o temos por perto.
A mim oferece-me a ligação ao infinito, quando descanso os olhos no horizonte e o vejo misturar-se com o céu, escondendo-me lentamente o Sol que vai desaparecendo num adeus tremendo de beleza.
E como é lindo ver o pôr do sol em São Martinho...
Obrigado pelo comentário minha querida amiga.
Um beijinho para ti.
José Gonçalves