terça-feira, 17 de abril de 2007

Ó Evaristo tens cá...disto?


Quem não se lembra desta célebre frase de Vasco Santana (Narciso) para António Silva (Evaristo) no filme português “O Pátio das Cantigas” de 1942 realizado por Francisco Ribeiro (Ribeirinho)

O Narciso e o Evaristo eram donos de lojas de pequeno comércio de bairro, com dois dos mais tradicionais ramos de negócio da época, uma leitaria e uma mercearia que, como tantas outras, povoavam este País de Norte a Sul. Muitos outros ramos de negócio se espalhavam pelos bairros das cidades, vilas e aldeias. O pequeno comércio, era o suporte de muitas famílias e ainda hoje algum vai resistindo a uma morte lenta anunciada.

Alguns destes ramos foram deixando de ter razão de continuar, por força de um desenvolvimento tecnológico que os foi substituindo por outros que se foram mostrando mais adequados á época. Dou como exemplo os inúmeros carvoeiro que em tempos não muito remotos foram resistindo mas que hoje desapareceram por completo, pelo menos nas grandes urbes.

Outros existiam servindo toda uma população que deles se utilizava quer por necessidade, quer pela proximidade da residência de cada um. Drogarias, açougues, padarias, retrosarias, pronto a vestir, têxteis lar, sapatarias, tantos ramos tradicionais que iam satisfazendo as necessidades do consumidor.

Foram tempos que acabaram. O pequeno comércio vive hoje em perfeita agonia, e muitos vão encerrando, lentamente com toda a carga negativa daí resultante.

São as grandes superfícies comerciais, a razão desta morte lenta na maioria dos casos. Em nome do progresso, muitas injustiças se foram criando, e obrigando a este estado de coisas.

Que leis protegeram o pequeno comerciante? Que condições de sobrevivência lhes foram dadas? Que contrapartidas?

O Procom – Programa de Incentivo à Modernização do Comércio,? A Urbcom – Sistema de Incentivos a Projectos de Urbanismo Comercial?

Modernizar? Claro é imperioso e necessário. Que capacidade têm os pequenos comerciantes perante a desigualdade da concorrência destes grandes espaços comerciais? Que preços para competir? É que comprar com tostões não é o mesmo que comprar com milhões e desde logo se criou uma barreira intransponível que o pequeno comércio não consegue nem encontra meios para ultrapassar.

Até nos horários a profunda injustiça que se criou marca a diferença pela negativa. Modernizar sim, mas não a qualquer preço.

Sei do que falo! Também senti na pele todas estas injustiças em nome do progresso e do interesse público, porque fui um pequeno comerciante da baixa lisboeta.

A nós, pequenos comerciantes, quem nos valeu? Quem nos vale? Ninguém.

Em Portugal, neste momento são já mais de 1.500 as grandes superfícies ou unidades comerciais de dimensão relevante, propriedade de grandes grupos. Os Centros Comerciais são mais de 30.000 espalhados por todo o País. Nos dois casos, acrescerá os que estão em fase de apreciação ou já aprovados para serem implantados.

Quem consegue competir com estes “monstros” que em nome do progresso e da comodidade nos vão aparecendo a cada esquina?

E os postos de trabalho, dirão alguns, eu sei. Mas será que esse facto impede quem tem o poder de legislar de se lembrar do pequeno comerciante?

As questões climatéricas e/ou as grandes catástrofes naturais sempre foram motivo para se reclamarem subsídios para as diversas actividades afectadas por esses factos. Os pescadores, logo que o mar o não permite, não saem em busca do seu ganha pão e solicitam-nos. Os agricultores, quando as suas culturas não resultam por factores climatéricos, reclamam-nos quase de imediato. E com inteira justiça, não contesto, ninguém contesta.

E o pequeno comerciante? Que subsídios, que ajudas?

É bom que haja progresso! Mas, não pode ser em seu nome que se cometam injustiças, nem obrigar o pequeno comerciante a pagar a factura desse progresso.

Comércio tradicional que futuro?

15 comentários:

Anónimo disse...

Querido Amigo José Gonçalves,

Estava a ler a sua postagem e a reviver os tempos da minha tenra infância, quando ia à mercearia da minha madrinha de baptismo que era, simultanemente,a tasca cá da aldeia.
Bem perto havia um latoeiro.
Todos, ou quase todos os homens da aldeia ali se juntavam, ao final do dia, faLando da faina das terras, jogando ao chinquilho e bebendo o seu "copo de três" enquanto mascavam uns amendoinszitos ou uns tremocitos...
A nós, as crianças traquinas, sempre calhavam uns pinhõezinhos e... como eram deliciosos...
Tinha eu os meus cinco, seis anitos. Depois levaram-me de cá para outro continente de sonho.
Mas, é como diz. O progresso acabou com essa proximidade e, com ele, levou o sustento de muita gente.
Não sou contra a modernidade e o progresso, nem poderia ser mas, tal como você, também eu penso que se deveriam ter acautelado, através de medidas políticas de incentivos, os comércios tradicionais.
Mas, a globalização massiva da economia de mercado foi e é mais forte. Acabaram-se as "artes e ofícios" e os "comércios tradicionais" de outros tempos.
Há que dar a volta por cima porque só com saudosismo não vamos lá.
Bjo Amigo

António Inglês disse...

Minha querida amiga Maria Faia

Vejo que tivemos vivências semelhantes, embora cada um de nós á sua maneira. Eu fui mais citadino e só tive o privilégio de sentir a aldeia durante as férias.
Em relação ao comércio tradicional, sei que não é o saudosismo que nos levará lá, nem o pequeno comerciante quer viver de saudosismos, como sei que sabe.
O que ele quer mesmo, é agarrar o presente e o futuro agora, e ter condições de poder continuar a ter tudo aquilo a que deveria ter direito. Sem problemas e sem dificuldades que lhe foram criadas em nome do progresso. Tambem o quer, estou seguro disso mas não a qualquer preço.
Gostei de a encontrar por esta postagem e espero poder continuar a poder contar com os seus comentários que me trazem sempre uma voz amiga.
Um grande beijinho amigo

A. João Soares disse...

Um bom tema. Parabéns ao autor e à primeira comentadora.
Vai muito longe o tempo em que conheci de perto pessoas que viviam das pequenas empresas familiares. A evolução das sociedades, umas vezes para melhor outras para pior, sempre deixaram a estrada coberta de cadáveres. O aparecimento do automóvel tirou o negócio aos artífices que construíam os carros de cavalos e aos ferradores, aparecendo as oficinas de mecânicos.
Hoje as mudanças são mais rápidas e as pessoas não têm facilidade em se adaptarem, principalmente se tiverem baixo grau de escolaridade, de conhecimentos que permitam descobrir os chamados «nichos de mercado» e trabalhar em ramo diferente. A instrução é a grande arma das pessoas para poderem sobreviver na actual selva económica.
Vão longe os tempos em que se iniciava uma actividade na adolescência e se mantinha até ao fim da vida. Hoje isso já não é curial. A mudança é frequente e é inevitável. A vida passou a ser uma luta permanente pela sobrevivência.
Já aparecem os profetas da desgraça a anunciar que as grandes superfícies estão a deixar de sr um bom negócio. As empresas aderiram à ideia por moda, sem uma perfeita análise da situação e parece que estão a recuar. Mas a água não volta a subir o rio e não passa duas vezes sob a mesma ponte.
O futuro dependerá dos interessados em moldá-lo, de forma mais ou menos inteligente ou casual.
Olhar para trás é útil, mas deixar o olhar parado nas saudades nada resolve e impede o avanço eficiente.
Um abraço
AJS

António Inglês disse...

Caro João Soares

Grato pelo comentário que faz.
Infelizmente meu caro, ainda conheço pessoas que sobrevivem desses pequenos comércios e os tempos vão neles deixando as suas marcas. É o tal progresso. O que eu gostaria é que ele não fosse sinónimo de atropelo nem de desgraça. Mas isso era o que eu gostaria porque a realidade presente é bem diferente em muitos casos.
Alguem disse " o mundo é uma bola que rebola, e cada volta que dá muda a face das coisas". Pois é tudo muda. Só alguns conceitos e mentalidades não.
Eu gosto de olhar para trás, mas como diz e muito bem não deixo lá o olhar parado, trago de lá muitos dos ensinamentos que hoje me fazem falta.
O progresso é inevitável, mas precisa de regras. Assim saibamos pô-las em práctica.
Um abraço
José Gonçalves

Anónimo disse...

Infelizmente, o pequeno comércio vive tempos de agonia e de uma morte lenta... não conseguem nem podem concorrer com o grande capital... Temo que a sua sobrevivência está por um fio...
Políticas? Onde?
Um Abraço e parabéns pelo artigo.

António Inglês disse...

Caro Ludovicus rex

Obrigado pelo seu comentário.
Por vezes somos tentados a falar sobre experiências que vivemos e por esta eu já passei.
Acredito que soube dar a volta ao problema, mas muitos estão realmente perante uma das encruzilhadas da vida.
É como diz, politicas? Onde?
Atrevo-me a dizer um pouco mais. Politicos? Quais? Onde?
Um abraço e volte sempre
José Gonçalves

Ernesto Feliciano disse...

Caro José,

Este seu texto é o espelho fiel do que também está a acontecer na nossa região.

O pequeno comércio está em grandes dificuldades.

Focou o problema das grandes superfícies, mas também existe o problema dos produtos vindos da Ásia, principalmente da China.

E este problema não é apenas sentido no pequeno comercial, mas também a nível industrial.

Um abraço.

António Inglês disse...

Amigo Ernesto

Tocou aí numa ferida que tem vindo a abalar e muito o pequeno comerciante, para além das grandes superficies.
As lojas de artigos chineses. São mais que muitas, embora a qualidade dos produtos deixe muito a desejar.
Só que as dificuldades financeiras que o português médio atravessa leva-o a frequentar e muito este tipo de lojas.
Um grande abraço, e parabéns pela sua nova postagem.
José Gonçalves

ANTONIO DELGADO disse...

Caro José é um excelente poste o teu pois fez-me recordar um pouco as lojas na minha aldeia e algumas de Lisboa quando cheguei a esta cidade. Mas sobre o problema concreto que pões, em debate, parece-me que se confundem conceitos porque entende-se o tradicional com o modo de venda a retalho dos mesmos produtos por pequenas lojas e as grandes superfícies. E não se entende como tradicional os produtos característicos de uma região: Queijo, chouriço, vinho, compotas, yogurtes caseiros, marmeladas, doces, azeitonas, conservas, mel, bolos biscoitos, Pão ...não há marcas registadas destes produtos ou se há são poucos e os seus produtores não estão associados. Qualquer região de França, Espanha, Inglaterra e Alemanha para citar os países que melhor conheço, no tema do debate, desenvolvem este tipo de marcas locais com os seus produtos. Transformando-os em mais valias económicas e também alimentares, contra os standerização das marcas dos supermercados que não são nada produtos caseiros ou artesanais. O comércio tradicional baseado nos gostos, sabores e cheiros de uma região é um comércio que vale milhões. Além do mais preserva a cultura e institui carácter e identidade a uma região. TORNA-A COMPETITIVA pela diferença. A Identidade é aquilo que faz com que este lugar seja preferido ao outro pelo turismo. E numa época de laser como aquela que nos cabe viver em que as pessoas cada vez tem mais mobilidade a opção deste lugar em relação a outro pode ser capital para o desenvolvimento de uma região e se este tipo de comercio tradicional estiver muito bem estruturado será um PLUS altamente cobiçado. Haja iniciativa, mentalidades inovadoras e desprezo pelo espíritos atávicos.
Um abraço

António Inglês disse...

Meu caro António

Obrigado por teres dispensado algum do teu tempo a ler o meu poste.

Quando falo em comércio tradicional, não me refiro aos produtos que nas pequenas lojas eram e são vendidos.

As marcas desses produtos como sabes é outro departamento que não quis abordar.

Porém, antigamente não havia tanto agressividade nas vendas e distribuição dos produtos, e por razões económicas normalmente no pequeno comércio esses produtos eram por norma da região e isso ajudava de alguma maneira a defesa de produtos regionais.

Hoje com as grandes superficies comerciais, essas marcas diluem-se muito nas quantidades e pouca defesa há nelas. No entanto, de vez em quando consegue-se ver nalguns espaços desses a divulgação e venda de produtos supostamente regionais.

Pois bem, o pequeno comércio poderá ter aqui realmente a grande chance para sobreviver com dignidade, e aproveitando a tua sugestão, penso que ele poderia procurar os tais produtos da região onde estão inseridos e dessa forma fugir à concorrência das grnades superficies.

Para isso, há que mudar mentalidades e criar incentivos ao pequeno comércio para que este possa fazer a reconversão da sua actividade comercial com novos produtos, que o defenderá e lhe permitirá até procurar outro tipo de clientela, até mesmo aquela que frequenta as tais grandes superficies.

Será a especialização e a divulgaçao de toda uma região que fará a diferença.

Um grande abraço
José Gonçalves

Anónimo disse...

Caro JG

Realmente o Comércio não vai bem e nos tempos que correm ainda pior.

Fala-se muito sobre modernização sobre novas ideias enfim conversa da treta geralmente escrita por gente que nunca sentiu o que era competir com gigantes, que usam todos os modos e meios, para derreter o pequeno comercio, e até derreter os nossos produtores, os industriais e tudo o que lhe aparecer pela frente.

Sei de fonte limpa que alguns centros comerciais de Lisboa não recebem as rendas de algumas lojas para as manter abertas pois que essas unidades , a pagar as rendas pedidas eram absolutamente inviaveis.

Então como é que o Comercio tradicional pode competir com a capacidade económica destes grupos que se dão ao luxo de controladamente perder dinheiro, até que a asfixia dos pequenos seja completa?.

Estes grupos fazem o que querem ,só pagam aos fornecedores quando querem, é uma autêntica selva e vêm os tais inteligentes falar de falta
de imaginação dos pequenos comerciantes.

Realmente não dá para perceber como podem tratar este assunto desta maneira.

Aos grandes tudo é dado, espaço de parqueamento , horários esticados pela noite fora , abertura aos Domingos e Feriados etc.

Aos pequenos tiram-lhe o parqueamento de proximidade , multam-nos, se trabalharem fora de horas, multam-nos e de que maneira se o preço caíu e não está na montra etc etc.

É só ver o que está a acontecer com o Comercio da zona Antiga de Alcobaça , não é preciso ir mais longe.

Se a memória não me falha nós tinha-mos um corredor creio que campeão Europeu dos 5000 metros, este atleta 20 dias antes dos Europeus deu um bigode a um tal Finlandês . Pois para surpresa minha e de outros nos Europeus o Finlandês limpou o pobre atleta Português com uma limpeza impressionante.

Mais tarde veio a descobrir-se que o Finlandês com uma técnica nova aumentava o número de glóbulos vermelhos e assim ganhava mais capacidade fisica.

Lá diriam os "inteligentes" pois o atleta Português tem que treinar mais, usar mais imaginação na corrida , enfim as habituais bacuradas.

Com o Comercio tradicional passa-se a mesma coisa, é uma batalha a meu ver perdida, as armas nem sequer são parecidas e o final será o fecho dessas unidades.
Obriguem os atletas estrangeiros a correr descalças e verão que nós calçados limpamos tudo.

Não me falem de falta de imaginação
Falem-me de desiguldade de meios e então já entendo.
Um abraço
Marco António

António Inglês disse...

Meu caro Marco António

Alguns dos centros comerciais de lisboa, não só não conseguem receber algumas rendas como até convidam determinadas marcas para abrirem lojas nos seus espaços à borla ou quase, caso contrário não as tinham lá.

Depois, quem conhece bem o País de norte a sul, sabe que alguns dos tais centros comerciais que abriram por estar na moda, fecharam porque o negócio não resultava.
Mas isso são centros comerciais e os dos grandes centros populacionais sobrevivem por isso mesmo, mas mal.
O pessoal da cidade, pelo menos ao fim de semana vai para lá passear. Digo, passear não digo comprar.

Quanto aos grandes espaços de venda, esses aglutinam tudo e todos com o seu poder de compra e com as condições que lhes são dadas.
Ao pequeno comerciante, é como o meu amigo diz, ninguém lhes dá nada, nem deles se lembram quando estão a legislar sobre condições especiais de horários de funcionamento.

Eu passei por uma experiência dessas. O meu pequeno negócio em Lisboa tinha cinquenta anos de existência. Sofremos com a abertura dessas grandes superficies e mesmo assim, um belo dia esventraram-nos a rua para obras. Eram seis meses disseram eles, os da Câmara.
Durou ano e meio e quando reclamáva-mos a resposta era célere:
" São obras de interesse público"
Mas fomos nós que pagámos. Alguns, como eu fecharam. Um ou outro terminou dentro da sua loja com a própria vida. Tudo no interesse público. Sobreviveram os que tinham realmente capacidade económica por terem outros ramos de actividade e noutros pontos da cidade.

Não nos podemos esquecer quem são os donos da maior parte destes grandes espaços. Grandes grupos económicos ligados à banca, aos seguros, à comunicação social e a outras actividades capitais que hipotecam o estado nas suas decisões porque este deles precisa.

Poderá efectivamente o pequeno comércio reconverter a sua actividade numa outra porventura ligada ao turismo e assim sobreviver, mas para isso também será preciso que o governo tenha uma politica de turismo que permita o desenvolvimento económico desses pequenos comerciantes. Só que não é isso que se vê.
Um abraço

António Inglês disse...

Caro Marco António

Uma pequena nota que me esqueceu no ultimo comentário:
- Os grandes espaços comerciais, pagavam até há pouco tempo a 180 dias ou seja seis meses. A nós davam-nos 30/60 e a muito custo 90 dias e se não pagássemos era o carmo e a trindade. Eles se não pagarem, até lhes dão mais uns mesinhos seguramente.
Um abraço

Anónimo disse...

Caríssimo Antonio.
Ao ver essa postagem com a foto que a ilustra, lembrei-me da bodega. É a típica bodega nordestina brasileira, que inclusive fiz uma postagem explicativa.

Um Abs.

António Inglês disse...

Meu caro Carlinhos Medeiros

Encontrei por acaso esta foto na net, confesso.
Tambem ela a mim me fez lembrar as "lojas" de aldeia onde se vendia de tudo um pouco.
Lembro-me de uma em especial aqui no Ribatejo na terra de meu Pai.
Foi por isso que a aproveitei.
Não tive oportunidade ainda de ver essa postagem da típica bodega nordestina brasileira que fez mas prometo-lhe que o visitarei brevemente.
Um abraço